Se você compra sua própria comida já deve ter notado que os tomates ficaram “caríssimos” nos últimos três meses. Parte disso é por que choveu muito e tomates não gostam de chuva nem de umidade. A outra parte é por que os tomates sobreviventes passaram a ser oferecidos por um preço mais alto para compensar o investimento dos produtores, que não estão dispostos a sair no prejuízo. Apesar da alta, as vendas continuaram (a oferta diminuiu, mas a demanda continuou a mesma. Os preços tendem a subir).
Então os produtores aumentaram o preço, e todo mundo continuou comprando. Agora o quilo do tomate custa em média R$ 8, e em algumas situações chega a custar entre R$ 10 e R$ 12. Virou piada generalizada e muita gente indignada (que às vezes compra Red Bull a R$ 15 na balada) está deixando de comprar o pomo de ouro. Como consequência, logo o preço deve voltar ao normal, ou a níveis aceitáveis.
Os carros vendidos no Brasil não têm entressafra, e a produção não é afetada pelas chuvas de verão. Claro, eles têm fatores que os encarecem, como a carga tributária sobre toda a cadeia de produção e distribuição, mas apenas isso não justificaria o preço cobrado por eles. Quem paga R$ 5 no quilo de tomate, pode pagar R$ 8 sem problemas. Três reais não é um valor que deixaria alguém mais pobre ou mais rico. O lance é que as pessoas acham que R$ 8 é caro demais e preferem deixar de comer tomates a pagar mais caro por eles.
Com os carros o negócio é diferente. Segundo o IBGE, nos últimos cinco anos 45 milhões de pessoas ingressaram na nova classe média, e agora têm acesso a crédito facilitado. Outras 55 milhões de pessoas subiram alguns degraus da escada sócio-econômica e agora fazem parte das classes A e B. Apesar dessa migração de classes e da saga rumo à erradicação da pobreza por meio de incentivos governamentais ao consumo (palavras da própria Dilma), ainda é um país com enorme concentração de riqueza. O mesmo IBGE aponta que quase 58% de toda a riqueza do Brasil está nas mãos de 20% da população — ou 40 milhões de pessoas. Parece muita gente, mas é menos que a população do Estado de São Paulo. É como se a grana estivesse em um só Estado e o resto que se dane.
Isso não é nada bom. Especialmente quando a diferenciação sócio-econômica é demarcada pelos padrões de consumo — certos produtos dão status, pois são acessíveis a uma pequena parte da população. Os carros são um desses produtos.
É por isso que algumas pessoas se dispõem a pagar preços que parecem absurdos em qualquer outro lugar do mundo. Consequentemente, isso permite que as empresas tenham margens de lucro mais elevadas no Brasil. Mesmo que seja um carro popular ou uma moto, as pessoas estão dispostas a pagar o valor cobrado.
Duvida? Então veja estas estatísticas divulgadas pelo economista Ricardo Amorim, da Ricam Consultoria, no mês passado: entre 2006 e 2012 a venda de carros diminuiu 8% nos EUA, 11 % na Alemanha, 40% na Itália e 57% na Espanha. Enquanto isso no Brasil as vendas aumentaram 82%.
Motivos para comprar um carro não faltam. Para as classes mais baixas, um carro (ou moto) é sinônimo de independência, e independência é, de certa forma, um pouco de poder. Chega de acordar cedo e pegar ônibus cheios e ficar horas espremido para chegar ao trabalho. Com um carro você pode dormir mais, pode descansar mais, pode sair a hora que quiser para ir aonde quiser do jeito que bem entender.
Para as classes mais altas, voltamos à questão da diferenciação sócio-econômica. Ter um carro mais caro é sinal de status no mundo todo, geralmente porque quanto mais caro, melhor, o que nem sempre é verdade. Mas a essência da compra é essa: status. E não há nada errado com isso. A diferença do Brasil para o resto do mundo é a (falta de) noção do valor pago. Os americanos têm essa noção e os europeus também. Nós não temos.
Deve ser por isso que nossa indignação é com o lucro de um fabricante — que pesquisa, desenvolve e produz tecnologia, gera empregos e paga impostos — e não com a absurda carga tributária imposta sobre um carro, que pode ultrapassar os 50% do valor agora com o “super IPI” para importados não habilitados no Inovar Auto. O Estado embolsa quase 50% dos R$ 96.000 reais pagos por um Hyundai Elantra, mas você tem todo o direito de achar que a culpa dos preços tão caros é a margem de lucro do produtor — geralmente visto como ganância em vez de recompensa pelo trabalho de desenvolver e produzir um veículo.
Mas agora lembre-se dos tomates. Esqueça o impacto visual do índice percentual de aumento (150% é chocante, não é mesmo?) e concentre-se no valor absoluto, seja R$ 10, R$ 8 ou R$ 12 pelo quilo. Por conta de um aumento que corresponde a menos de 1% do Salário Mínimo, estamos fazendo piadas e boicotando produtores de tomate — que é razoavelmente nutritivo e elementar no cardápio brasileiro. Enquanto isso, o mercado automotivo continua aquecido, com aumento de 20% em relação ao mês anterior. Acho que algumas coisas ficam mais claras postas dessa forma e fica mais fácil entender por que a Hyundai (e todas as outras marcas) cobram esses preços por seus produtos.
Eles sabem que não temos nenhuma noção de valor mesmo.
Ctrl+C: Jalopnik Brasil
Um comentário:
quero só ver quando tiver que fazer rodízio de placa em todas as maiores cidades, daí as pessoas vão sentir uma perda de liberdade devido ao excesso de veículos, mas claro, não sou contra cada pessoa ter um carro, mas desde que se tenha como andar na cidade
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