No que deve ser o mais intrigante dos experimentos, em meados dos anos 1980 o pesquisador Benjamin Libet pediu que as pessoas fizessem algo como dobrar o pulso. Nada especial, ele também espalhou uma série de sensores para detectar a atividade cerebral bem como detectar quando o pulso foi dobrado.
Tentando descobrir mais a respeito de como o cérebro toma uma decisão – como mexer o pulso – ele também pediu que os sujeitos olhassem para um ponto girando rapidamente como um relógio. Quando eles sentissem a vontade, a decisão de apertar o botão, deveriam relatar aonde o ponto estava no relógio. Assim Libet teria uma idéia do momento em que a decisão foi tomada no cérebro.
Imagem de "Free Will and Free Won’t"
Como esperado, a tomada de decisão ocorreu em torno de 200 milisegundos antes do movimento ser realizado de fato. Leva algum tempo para que ela chegue até nossos músculos. Porém, o resultado realmente intrigante esteve associado à atividade cerebral e algo chamado “potencial pré-motor”.
Já há algumas décadas se sabia que a ação voluntária como mexer um dedo é precedida por um padrão de onda cerebral característico, batizado de “potencial pré-motor”. Antes de realizar um movimento voluntário como mexer o pulso, seu cérebro produz esse padrão.
O que Libet descobriu foi que o potencial pré-motor antecede a decisão consciente relatada em até 350 milisegundos. Isto é, quase meio segundo antes de você “sentir” a vontade de apertar um botão, seu cérebro já esteve maquinando a idéia, produzindo um padrão que já indicava que você iria tomar essa decisão.
Neste caso, seu livre arbítrio, a sensação de decidir
mexer o pulso, naquele exato momento, seria apenas uma ilusão. Levaria mais tempo para essa atividade inconsciente chegar até a sua consciência como uma decisão “sua” do que a decisão leva para ser executada de fato pelos seus músculos. Sua consciência
seria algo como um marionete de processos cerebrais inconscientes.
As interpretações e conseqüências deste experimento ainda não foram completamente exploradas nem mesmo pela ciência. O próprio Libet evitou especular muito a respeito. A experiência é perturbadora mesmo sem abordar questões de determinismo, tantalizantes por si só.
A PÍLULA VERMELHA
Como a
psicóloga inglesa Susan Blackmore define em
um de seus trabalhos, “uma ilusão não é algo que não existe, como um fantasma ou o flogisto. Ao invés, é algo que não é o que parece ser, como uma ilusão ótica ou uma miragem. Quando digo que a consciência é uma ilusão, não quero dizer que a consciência não existe. Quero dizer que a consciência não é o que parece ser”.
Suponha que o livre arbítrio seja realmente uma ilusão, que suas decisões são em verdade fruto de diversas atividades cerebrais inconscientes que só depois, retrospectivamente, são entendidas e rotuladas como sua, como o consciente, como
você.
Já vimos como somos bons em justificar decisões que não são nossas, no caso da troca de fotografias. Também vimos como mesmo memórias que não vivemos podem ser implantadas em nosso cérebro, no caso do Pernalonga na Disney.
Também descobrimos que não vemos tudo o que achamos que vemos, com a “cegueira de atenção”, e mesmo como o cérebro preenche vazios, como o ponto cego de nossa retina.
Nas colunas anteriores, também vimos como o som que escutamos pode ser alterado pela imagem que observamos, ou como podemos enxergar cores que não existem.
Este é o deserto concreto da realidade: nossa percepção até de nós mesmos é em grande parte uma ilusão. Não quer dizer que não existamos, ou mesmo que não tenhamos consciência ou livre-arbítrio. Mas a ciência seguramente evidencia que eles não são o que aparentam.
O que muitos devem se perguntar então é: se coisas tão básicas são ilusões, como conseguimos sobreviver na realidade? A resposta é que são justamente estas ilusões que nos permitem sobreviver no mundo, apesar das severas limitações de nossa biologia. Lembre-se de que nosso cérebro não armazena nem percebe tudo que vemos, mas ele funciona quase tão bem como se o fizesse.
Se víssemos o mundo invertido ou com um ponto cego como ele aparece em nossas retinas, se tivéssemos consciência constante de que nossas memórias são muito pouco confiáveis e de que podemos racionalizar decisões alheias como se fossem
nossas, provavelmente morreríamos em algumas horas na savana selvagem.
Mas se todas estas ilusões nos ajudaram a sobreviver, isso não significa que devamos nos confortar em simplesmente vivê-las. Assim como a “Matrix” pode sustentar pessoas em casulos fornecendo um mundo virtual enquanto drena suas energias, viver feliz na ignorância sem questionar ou querer saber mais sobre as ilusões que vivemos pode nos tornar tão inúteis quanto uma pilha Duracell descarregada.
Se você tomou a pílula vermelha, deve questionar o que percebe, o que ouve, assiste, o que lê. Mesmo o que pensa, ou o que acha que pensa. É o pensamento crítico, o questionamento racional, e é a ferramenta libertadora que está no cerne do que é a verdadeira Ciência. A verdadeira pílula vermelha que vem desvendando depois de milênios os mistérios da maior da ilusões: sua própria mente.
Concluindo os posts anteriores, excelente texto de Kentaro Mori, divulgado no Dúvida Razoável, do Sedentário & Hiperativo.
Por um Mundo + AWAY! 2000inove!
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