23.3.14

Mônaco 1984, a F1 conhecia Senna

“Se me deixarem sozinho, com certeza me perco”

Quem imaginaria que o comentário de Senna sobre as ruas do principado contrastariam com o incrível resultado da corrida daquele final de semana?



O GP de Mônaco começa tradicionalmente suas atividades na Quinta-feira, com o treino não oficial. Senna, querendo aprender o traçado, anda bem lentamente nas primeiras voltas, mentalizando cada curva, cada freada, cada lombada do circuito, processando cada informação como se fosse um computador, para ver onde conseguiria tirar milésimos de segundo vitais para melhorar seu tempo, para ver o máximo que era possível tirar de sua Toleman. Depois do processamento de dados, Ayrton parte como um raio pelo circuito, engolindo cada reta, raspando o pneu em cada curva, extraíndo o que pode do carro:
“Tirei cada fino que só vendo. Andei raspando não sei quantas vezes no guard-rail. Tanto que até o número pintado no meu pneu sumiu.”

Ayrton Senna da Silva chegou à Fórmula 1 altamente credenciado, após a conquista do campeonato britânico de Fórmula 3. Assinou com uma equipe mediana, a Toleman. Tinha fama de atrevido e arrogante, mas desde cedo encantou o mundo com sua qualidade.

Stefan Bellof também era um estreante. Sua tocada alucinante na Fórmula 2 e no Mundial de Esporte-Protótipos chamou a atenção dos chefes de equipe da mais importante categoria do automobilismo. Como o alemão já tinha assinado com a equipe de fábrica da Porsche para correr de protótipos em 84, sua agenda ficou bastante apertada. Ken Tyrrel decidiu apostar num contrato de risco, utilizando o piloto nos finais de semana em que estivesse “de folga”.

A concorrência era grande e de primeira linha: Alain Prost dividia as atenções da McLaren com Niki Lauda, recém saído de sua aposentadoria precoce. Nelson Piquet, então campeão do mundo, partia para mais uma temporada com a Brabham, enquanto um certo inglês bigodudo, Nigel Mansell, começava a chamar atenção na Lotus. Keke Rosberg era um adversário perigoso, com sua Williams, sem falar na dupla ferrarista, Michelle Alboreto e René Arnoux.

No treino oficial de Sábado, Prost bateu Mansell por 0,091s, cravando o tempo de 1min22s661. Lauda não conseguiu nada melhor do que o oitavo tempo, logo à frente de Piquet. Senna, fazendo seu melhor, ficou a mais de dois segundos da pole, em 13º, enquanto Bellof mal conseguiu um lugar no grid, largando na última posição.

No Domingo, o tempo reservaria uma agradável surpresa para as equipes Toleman e Tyrrell.

Raios e trovões, era esse o tempo naquela manhã. Na F3, corrida que antecede a F1, John Nielsen destrói seu carro nos muros do principado, fazendo com que a prova fosse interrompida por algum tempo.
A pilotagem na chuva em Mônaco não aceita erros.

Sem dinheiro para pagar um bom contrato de Pneus, a Toleman teve que comprar os pneus Michelin da safra anterior, a de 83, defasados na pista seca, mas excelentes no molhado. Quando viram a chuva, a McLaren se desesperou, pois a Michelin só trouxe pneus safra 84 para a McLaren, piores para pista molhada.

A prova da F1 iniciou 45 minutos depois da hora. Prost mantêm a liderança e se segura na pista. Na primeira curva, a Saint-Devote, confusão como sempre, numa batida, o francês da Renault, Patrick Tambay, quebra a perna e abandona a prova. O atual campeão, Piquet, além de não gostar de correr em Mônaco, larga mal e caí diversas posições. Senna já na primeira volta passa em 9º, inventando a cada volta, novos pontos de ultrapassagem e mostrando para a F1 como era pilotar naquelas condições. Stefan Bellof da Tyrrell, que largara em último, era o único na pista que se equiparava a Senna.

A ascensão dos dois era alucinante. Enquanto isso, o resto da turma sofria. Mansell passou Prost como quis, somente para perder o controle de seu Lótus negro na subida para o Cassino. “Escorreguei na faixa de trânsito”, desculpou-se o leão.

Senna não respeitava antigos campeões. Ultrapassou Rosberg como se o finlandês estivesse parado.

“Atenção Lauda, atenção Lauda…..quem fala é Dennis. Tem um maluco da Toleman feito louco atrás de você. Fique atento!"

Senna partiu à caça de Lauda com tudo o que tinha, em busca da segunda posição. Subiu na zebra do S após o túnel, quase jogando sua prova fora. Contornou a piscina como se a pista estivesse seca. Na Rascasse, quase tocou na McLaren do austríaco. Partiu para a reta dos boxes grudado, escolheu o traçado externo e mergulhou para fazer a St. Devote por fora, ultrapassando Niki de forma magistral! A perplexidade tomava conta dos felizardos que estiveram presentes ao GP de Mônaco.

A sala de imprensa ficou em polvorosa. “O locutor holandês do nosso lado está gesticulando, como se não entendesse mais nada” comentou Galvão Bueno, ao vivo para todo um Brasil surpreso diante do nascimento de um novo herói.

Mais atrás, Stefan não era menos espetacular. Após uma batalha titânica com Rosberg, o jovem piloto da Tyrrel aproveitou-se da rodada de Lauda para assumir a terceira posição, logo atrás de Senna.

Senna fez a volta mais rápida da corrida na 23ª volta. A pista era só sabão e Senna ganhava de três a cinco segundos por volta. Na volta 30, Senna já via Prost à sua frente mesmo com muita água na sua viseira.

Senna vinha rápido, mas Bellof era o mais veloz na pista naquelas últimas três voltas, por mais incrível que isso possa parecer! No caso de um confronto, um mecânico da Toleman garantiu que Bellof seria o vencedor. Durante perseguição a Keke Rosberg, Senna havia danificado a suspensão dianteira direita de seu bólido em uma chicane. Seria questão de voltas para que a peça quebrasse.

A diferença Prost x Senna ia caindo perigosamente para a McLaren, que começa a pressionar o diretor de prova Jacky Ickx, a interromper a corrida. Prost, com problemas de freio, gesticula a cada passagem de volta para os comissários de prova. Quando Senna já preparava a ultrapassagem, Jacky Icxx, decidiu que era o momento certo para parar com a corrida. Decisão que tomou na volta 32. Icxx teve essa ideia sem consultar a FISA e foi multado em seis mil dólares. O rumor que correu na época era que, como era piloto da Porsche, marca que equipava os McLaren, estes não podiam passar o vexame de ver os seus motores, os melhores da altura, a serem humilhados por um ridículo motor Hart.

Ickx dá por encerrada a prova, mostrando a bandeira vermelha e quadriculada juntas. Prost pára antes da bandeirada, contribuindo ainda mais para a confusão. Senna cruza a linha de chegada e se considera o vencedor. Era o início de uma das mais famosas rixas entre pilotos de que se tem notícia.
Na volta ao boxe, Senna recebe a notícia que a prova fora interrompida, e que o resultado válido era o da volta anterior, a de número 31. Senna irritadíssimo só não parte para cima dos comissários por que seus companheiros de equipe o seguram.

A justiça viria no final da temporada. Como a corrida foi prematuramente interrompida, os pontos valeram pela metade; desta forma, a vitória de Prost rendeu-lhe apenas 4,5 pontos. O francês perderia seu primeiro título mundial para Lauda por apenas meio ponto, uma diferença histórica. Se a corrida tivesse continuado e Prost chegado em segundo, teria ganho 6 pontos e o campeonato de F-1 de 1984.

Após o GP de Dallas, a Tyrrell foi desclassificada e banida do campeonato. Diante da desvantagem técnica em relação aos monopostos equipados com propulsores turbo, a equipe havia desenvolvido um carro oitenta quilos mais leve que o mínimo permitido.
Nas últimas voltas das corridas, os pilotos da escuderia entravam nos boxes e recebiam pequenas esferas de chumbo durante o reabastecimento. Com esse “lastro”, os carros terminavam a corrida dentro do regulamento.

Bellof, que para muitos seria um grande rival para Senna, não pode cumprir essa promessa. Na prova da Bélgica do mundial de marcas de 85, Bellof e Ickx, ironicamente, estavam disputando posições arduamente no circuito de Spa-Francochamps, quando na mítica curva Eau Rouge, os Porsches dos pilotos se chocam e vão para a fora da pista. Bellof se dá pior pois seu carro bate de frente ao guard-rail, fica preso por 20 minutos nas ferragens e acaba morrendo.



O futuro é sempre incerto, mas o momento durou para sempre. Nas ruas de Montecarlo, naquele ano de 1984, Ayrton Senna e Stefan Bellof tornaram-se eternos.

Nenhum comentário: